quarta-feira, 16 de julho de 2008

DEPRESSÃO NA INFÂNCIA

Depressão na infância

Médicos apontam necessidade de tratamento com terapia e
antidepressivos; doença atinge 5% das crianças no mundo


Depressão infantil ainda é encarada como exagero
LULIE MACEDO
(Folha de São Paulo - Cotidiano - 2/5/2004)


No início parecia manha. André*, 9, deu para fazer escândalo e evitar
a escola. "Não tenho força", dizia, chorando. Não queria brinquedos,
TV nem amigos. Brigava à toa, tudo o irritava. "É fase, coisa da
idade", pensava a mãe, Márcia*. Ou falta do pai, de quem se separou há
dois anos. Até que, na escola em que dá aulas, recebeu uma ligação de
casa, à noite:
- Mãe, volta agora? Estou triste, com vontade de morrer.
Márcia se assustou. Levou André à psiquiatra. Saiu de lá com uma
prescrição médica quase tão incomum quanto papo de morte em boca de
criança: terapia e dez gotas diárias de antidepressivo.
"Quando conto isso, as pessoas sempre acham absurdo. Primeiro se
espantam porque não acreditam que a doença possa aparecer em crianças,
depois dizem que dar antidepressivo para um menino de nove anos é
exagero."
Embora a depressão tenha perdido parte do estigma, ao menos duas
crenças continuam fortes: que se trata de mal exclusivo da maturidade
e que suas raízes estão no estresse dos tempos modernos. Quanto a esta
última afirmação, o problema é quase tão antigo quanto o homem. E as
estimativas calculam em 5% as crianças deprimidas no mundo.
Reconhecida no meio médico há apenas 20 anos, a depressão infantil é
uma variação da adulta, com características e sintomas parecidos, mas
que ainda permanece um mistério para pais, professores e boa parte dos
médicos.
A americana FDA (agência que regula alimentos e remédios) alertou
sobre o risco de o antidepressivo fazer aflorar tendências suicidas no
início do tratamento, especialmente em crianças e jovens.
É um ponto quase ignorado: o mundo do Prozac chegou à infância, mas
com os mesmos antidepressivos usados por pais e avós. Ninguém sabe, no
Brasil, quantas crianças estão sendo medicadas, mas sabe-se que cresce
o número de deprimidos infantis graves.
"Nem me assustei quando a psiquiatra falou que ela ia tomar
antidepressivo, daria qualquer coisa para tirar minha filha daquele
sofrimento", conta a empresária Luciana*, mãe de Daniela*, 10, há dez
meses com depressão grave.
É comum ainda os pais se sentirem culpados. "Os pais devem saber que
filho deprimido não é resultado de defeitos deles nem necessariamente
reflexo de falta de habilidade para educar", diz o escritor Andrew
Solomon, portador de depressão grave e autor de um estudo premiado
sobre a doença.


Desde o berço
A doença afeta até os bebês -se manifesta fisicamente, com alterações
na coordenação motora, distúrbios do sono, falta de apetite, apatia e
choro constante. A queixa física também surge em crianças maiores,
mas, diferentemente dos adultos, ela fica nervosa e agitada, em vez de
triste.
Acredita-se que a depressão é provocada por uma somatória de fatores,
que inclui temperamento, experiências de vida e, cada vez mais,
predisposição genética. Mas as dúvidas se estendem até a profissionais
de saúde. Quando Márcia foi pedir licença de trabalho para cuidar de
André, o clínico-geral a olhou com desconfiança: "Como é possível um
menino de nove anos estar com depressão?".
A questão é que, na cabeça de adultos, tristeza e infância não
combinam. "Basta você se lembrar da sua infância. Quem nunca se
preocupou em ser aceito pelo grupo, recuperar nota vermelha ou
corresponder às expectativas dos pais?", diz a psiquiatra infantil
Paramjit T. Joshi, coordenadora da divisão de psiquiatria do
Children's National Medical Center, um dos principais hospitais
pediátricos dos EUA.
E como separar a mudança típica da idade da patológica? "Uma forma é
comparar a mudança de comportamento com o que era anteriormente a
criança", sugere Lee Fu I, do departamento de psiquiatria infantil do
Hospital das Clínicas paulistano. "Se a criança era extrovertida e de
repente se isola, pode haver um sinal."
Lidera a lista de situações familiares que "disparam" uma crise
depressiva a briga dos pais, seguida por perdas (de pessoas, animais,
coisas) e situações que expõem a criança a questões que sua faixa
etária não consegue entender: problema financeiro da família,
separação paterna, solidão e necessidade de se virar sozinhas.
Mas há o gatilho químico, uma "falha" no equilíbrio dos
neurotransmissores das sensações de prazer e bem-estar. Essa falha
seria transmitida geneticamente, ativada por fatores externos.
Ou seja: predisposição genética conta, mas deve haver combinação entre
a parte biológica, temperamento e experiência de vida.
A escola é fundamental no diagnóstico. "Quase sempre há queda no
rendimento escolar no quadro depressivo, principalmente em disciplinas
que exigem atenção, concentração e memorização", diz a psicóloga
Miriam Cruvinel, doutoranda pela Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas).
Importam também os pediatras e médicos de família, já que as queixas
físicas sem causa comprovada estão entre os sintomas freqüentes da
depressão infantil.
Para a psiquiatra Lee Fu, o médico de família é o alvo do alerta da
FDA. Como o sistema de saúde dos EUA é estruturado em torno deles (nem
sempre preparados para diagnosticar a depressão infantil), eles acabam
receitando antidepressivos sem calcular o risco de efeitos
indesejados.


Medo
Até profissionais de saúde mental ainda têm medo de falar sobre
suicídio com a criança e os pais. "O remédio não põe idéia suicida
onde ela não existe. Mas se aquilo já está lá, latente, o
antidepressivo pode trazer à tona", diz Lee Fu.
Mark Riddle, chefe da divisão de psiquiatria de crianças e
adolescentes do hospital Jonhs Hopkins (EUA), também defende a
medicação: "A maioria dos efeitos colaterais ocorre no início do
tratamento, e uma hipótese para isso é que a energia física costuma se
restabelecer antes do intelecto, portanto o paciente pode acabar
recuperando vitalidade suficiente para tomar uma atitude, caso já
exista uma idéia suicida."
Mas é preciso dizer que, sem tratamento, a doença deixa marcas a longo
prazo. "A criança está em formação, e, se parte da infância é
eclipsada pela depressão, ela se torna propensa a incorporar para
sempre esse estado de humor", diz Andrew Solomon.


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* Nomes trocados para preservar os personagens infantis


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Equipe SC-Semana Cultural
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Responsáveis:


Imma Marques
Sabina Vanderlei
Sandra Cássia

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