quarta-feira, 16 de julho de 2008

EMPRESA TAMBÉM É EMOÇÃO

Empresa também é emoção
Patrícia Bispo

Já se foi o tempo em que separar a emoção da razão era considerado fator indispensável para o sucesso dos negócios. Hoje, essa visão começa a perder força, já que as empresas passaram a ver no potencial humano o diferencial para o negócio. E como é possível separar o homem dos sentimentos? "Exigir isso é o mesmo que tentar deslocar nossa cabeça do resto do corpo. O que é preciso é saber gerenciar e dosar bem as duas medidas, como em tudo na vida", afirma Maria Carlota Boabaid. Pedagoga e mestre em administração de empresas, ela atua na área de Gestão de Pessoas do Sistema da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina. Com uma visão ampla sobre o tema emoção e trabalho, Maria Carlota afirma ainda que a emoção não é berço ou privilégio apenas da área. É inerente e insumo do ser humano, está presente em todos os lugares e influencia a motivação das pessoas. "Talvez a gestão das questões comportamentais, sim, devam ser tratadas pelo RH. Mas, comportamento é uma das expressões da emoção", complementa. Em entrevista concedida ao RH.com.br, Boabaid fala sobre o tema emoções de forma bem peculiar. Confira a entrevista na íntegra e aproveite a leitura!
RH.com.br - Estando no ambiente de trabalho, é possível para um profissional separar a emoção da razão?
Maria Carlota Boabaid - Eu entendo que separar a razão da emoção não é possível. Seria o mesmo que tentar deslocar nossa cabeça do resto do corpo. O que é preciso é saber gerenciar e dosar bem as duas medidas, como em tudo na vida. Existem aqueles momentos que nos exigem posturas pragmáticas, já há aqueles outros onde a subjetividade impera. Agora, deixar nosso lado emoção em casa e ir para o trabalho carregando somente a razão, é humanamente impossível. Não se pode dissociar a razão da emoção no ser humano. Num robô, talvez. Mesmo sabendo que a emoção e o sentimento não são ainda compatíveis com o mundo pragmático imediatista dos negócios. Mais se atritam do que se afinam, mas estão evoluindo. É um processo de médio prazo, talvez para as próximas gerações de profissionais. Este é um desafio para o profissional reflexivo. Então, se quisermos ter pessoas dentro do ambiente empresarial, teremos que aceitá-las como são. Com emoção, com limitações, cometendo erros e acertos.

RH - Já que não é possível deixar a emoção fora do ambiente de trabalho, até que ponto esse sentimento deve ser usado dentro da organização?
Maria Carlota Boabaid - Penso que as organizações poderiam avançar mais, ousar estrategicamente e adotar modelos de gestão onde os alicerces psicológicos dos profissionais e de sua ecologia fossem respeitados e prestigiados, a exemplo das abordagens sistêmicas e complexas. É preciso detectar emoção nas ações, ou seja, amor, sentimento, envolvimento, independente de picuinhas ou desavenças trabalhistas com o empregador. Mas, acima de tudo há de se ter paixão naquilo que se produz, portanto, estamos falando de emoção. Revestido deste sentimento não há competência que não evolua, não há possibilidade de melhoria que não se aprimore. Pois a pessoa está motivada, impulsionada por um ambiente propício, confiante e consistente. Um ambiente que tolera o erro. Infelizmente, as organizações parecem ainda viver mais na fase do discurso e não da ação. Atua-se num mundo de negócios mecanicistas, de padrões e normas pré-estabelecidas e mais do que previsíveis. O novo, o inusitado, o complexo, o transgressor ainda não fazem parte desse universo mais amplo.

RH - A emoção deve ter limites no ambiente de trabalho?
Maria Carlota Boabaid - Não podemos é confundir a emoção do ser humano, intrínseca, com esses apelos motivacionais tão propagados, engatados em expressões de alto impacto mercadológico, tentando convencer aos desavisados o quão infelizes e incompetentes somos. Por outro lado, caso um profissional já apresente uma desarmonia, um quadro de instabilidade psicológica, de desordem emocional dentro do ambiente da empresa, o mesmo deve ser encaminhado à área competente, ou seja, à área médica, e não para o Recursos Humanos. Recursos Humanos não trata de doenças e sim de desempenho. Desordem emocional, depressão ou qualquer outra patologia congênere devem ser administrados sob a ótica da medicina. A área de Recursos Humanos deve gerir o comportamental, postura atitudinal, e o desempenho de competências dos profissionais - habilidades técnicas e intelectuais -, medir e alinhar gaps à visão estratégica da organização. O RH deve ter uma equipe de profissionais altamente qualificados, conhecedores e apaixonados pelos conteúdos e projetos os quais são responsáveis, porque estão lidando com o insumo mais relevante da empresa: o ser humano.

RH - O que diferencia uma empresa com emoção daquela sem sentimentos?
Maria Carlota Boabaid - Não sei diferenciar uma empresa com emoção de uma sem sentimentos. Penso que uma empresa sem sentimentos está fadada a estar fora do mercado num curto espaço de tempo. Não tem postura estratégica para competir com as que já evoluíram e perceberam que as pessoas fazem parte do processo do negócio. O que poderia fazer a diferença nesse mundo emergente de lucros imediatos competitivo global? O ser humano, é a resposta. Portanto, não é uma postura altruísta, e sim, capitalista. A partir de 1990 passou-se a investir mais no ser humano, inicialmente através de discursos, expressões impactantes proferidas por gurus americanos que por hábito do poder e cultura utilizavam-se de meios facilitadores que dispunham para disseminar suas políticas e visões de mercado. Passado esse primeiro período de euforismo motivacional em relação ao tratamento do ser humano no ambiente organizacional, hoje, percebe-se, tanto por parte dos gestores que decidem quanto por parte do funcionário comum, uma compreensão mais madura, consciente, pertinente ao mundo empresarial, que é o de gerar lucro, deixando para trás aquela idéia equivocada de que tratar o ser humano no ambiente organizacional é agraciá-lo com prêmios, festinhas, ser amigo e boa gente, ter sempre aquela palavra de otimismo de corredor, do tapinha nas costas, ou da empresa se vangloriar de ter investido pesado em treinamentos motivacionais.

RH - Que benefícios a emoção gera ao ambiente de trabalho?
Maria Carlota Boabaid - Sem emoção, não há idéia nem pensamento. Não há vida. O sujeito está morto. Acredito que o maior benefício que a emoção pode trazer para o ambiente de trabalho é o resultado da competência aplicada. Porque um profissional que produz com toda a sua força de inteligência, põe a criatividade para funcionar, tem liberdade de expressão, que lapida sistematicamente seus conhecimentos e refina seu comportamento em consonância com os valores da organização, a médio e longo prazos, pensando no conjunto de equipe, teremos pessoas desempenhando cada vez melhor.

RH - Que ações a organização pode adotar para estimular a emoção entre os colaboradores?
Maria Carlota Boabaid - Inspirar as pessoas a pensar, a discutir idéias, a propor novas alternativas para sair do lugar comum, mesmo parecendo uma loucura para a grande maioria. É dessa ousadia que surge a transgressão, nossa riqueza maior. O novo, a nova idéia, somente poderá surgir e vir à tona, se dermos uma oportunidade. E é nesse despertar, é nesse desabrochar, na liberdade de expressão, isento do medo de perder o emprego, das pressões econômicas, que o profissional se sente propício para expor seus pensamentos e sentimentos. É o algo novo que em algum lugar, algum colega de simples posição no trabalho, poderá ter a chance de externar seu pensamento. Até porque quem nos garante que o saber é privilégio de uma elite decisória?

RH - Dentro dessa realidade, como entra a atuação do profissional de Recursos Humanos?
Maria carlota Boabaid - O profissional de Recursos Humanos primeiramente deve ter uma atuação estratégica, juntamente com a direção da empresa. Não se pode dissociar as ações estratégias organizacionais da área de Recursos Humanos, afinal quem irá implementar as ações são as pessoas. Portanto, pessoas são matéria-prima desse processo. Mas, infelizmente não é isso que presenciamos. Na prática a realidade é bem distante do discurso e o que é pior, por absoluta ignorância de alguns gestores que resistem à mudança por receio de perder poder e controle da situação. É uma evolução que mexe diretamente na vaidade e nas amarras internas de quem está no poder. Cutucar vaidade e poder é assunto para um livro.

RH - A área de RH é o berço das emoções corporativas?
Maria Carlota Boabaid - Emoção não é berço ou privilégio de área alguma. É inerente e insumo do ser humano. Está presente em todos os lugares. Talvez a gestão das questões comportamentais, sim, devam ser tratadas, como já mencionei anteriormente, pelo RH. Mas, comportamento é uma das expressões da emoção. As filigranas psicológicas ainda são consideradas um lado piegas, jocoso nos ambientes empresariais. O lado psicológico no mundo dos negócios, no máximo, serve como ferramenta para ser utilizada nos momentos de lazer e sociais na empresa. O lado emocional do ser humano é freqüentemente desconsiderado, como se esta faceta "psicológica" fosse denegrir o todo da pessoa, rebaixá-la, desmerecê-la ou até ferir sua virilidade. Faz parte de nossa herança cultura patriarcal.

RH - Que conselhos a Sra. daria para o RH que precisa lidar com as emoções da pessoas?
Maria Carlota Boabaid -O RH precisa ser estratégico não somente no discurso, mas essencialmente na ação, na hora do movimento. É premente para o RH ser galgado ao nível de importância decisória junto à presidência da organização. Não se pode mais aceitar RH como área meio, como apoio operacional. Mas ao mesmo tempo é preciso que seus profissionais integrantes façam valer suas funções e merecer suas intenções. Querer todos querem, mas se percebe que poucos agem e ambicionam modificar esse quadro tradicional de rotinas trabalhistas e de cultura punitiva.

RH - E o que é preciso para mudar esse quadro?
Maria Carlota Boabaid - É imperioso avançar para um Recursos Humanos de profissionais reflexivos, de conteúdos prospectivos e competentes, e definitivamente sair do empoeirado departamento de pessoal. As pessoas, além de conhecimentos técnicos e intelectuais, são dotadas de emoções. Portanto, se uma organização é compreendida por pessoas e estas têm emoções, tem-se que estar preparados no ambiente organizacional para lidar com essa subjetividade. Não se pode acreditar que todos os profissionais atuarão todos os dias igualmente, pragmaticamente, numa simetria presumível. Deve-se respeitar os limites do ser humano, sua diversidade individual perante o ambiente onde atua. Apostar no talento e competências do profissional e impulsioná-lo para avançar e não, ficar treinando-o em temas os quais ele não tem afinidade alguma. Dar um feedback para seu profissional baseado naquilo que ele é bom, competente, talentoso e conversar com ele para corrigir, ajustar as possibilidades de melhorias, que são os gaps, para nivelar às competências requeridas da organização.



Patrícia Bispo
Jornalista responsável pelo conteúdo da comunidade virtual RH.com.br.

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