quarta-feira, 16 de julho de 2008

DROGAS UM PROBLEMA QUE ESTÁ EM TODOS OS LUGARES

Qualidade de vida ]
Drogas: nem as empresas estão livres

Patrícia Bispo
Jornalista responsável pelo conteúdo da comunidade virtual RH.com.br.
"Comigo isso nunca vai acontecer". "Na minha família, problema como esse nem pensar". Seria tão bom assegurar que 100% desse positivismo fosse equivalente a uma equação matemática, onde 2 + 2 = 4, ou mesmo à lei terceira Lei de Newton - da Causa e do Efeito, onde toda ação gera uma reação. No entanto, a realidade da vida mostra que nem sempre é fácil ficar imune a determinados problemas como, por exemplo, a dependência química, seja por drogas consideradas legais (como álcool, ou tabaco) ou ilegais (como cocaína).
Sem escolher raça, religião, sexo, idade ou grau de instrução, a dependência química é um dos grandes problemas sociais que atinge todos os países do mundo, inclusive o Brasil. E quem imagina que o alcoolismo afeta somente o ambiente familiar, precisa ficar mais atento. Para se ter uma idéia, segundo a Associação dos Estudos de Álcool e Outras Drogas, de 3 a 10% da população brasileira fazem uso abusivo do álcool. Isso reflete diretamente no dia-a-dia das organizações, uma vez que o alcoolismo é considerado a oitava causa responsável pelas concessões de auxílio-doença. Já os problemas relacionados direta ou indiretamente ao uso dessa substância consomem de 0,5% a 4,2% do PIB (Produto Interno Bruto).
Esses dados têm levado as empresas a ficarem atentas à questão do alcoolismo e isso pode ser observado através do aumento, mesmo que em ritmo lento, dos programas voltados para prevenir ou tratar a dependência química de colaboradores. No entanto, a questão é muito delicada e merece ser tratada com cuidado e ética.
O funcionário dependente precisa ser abordado com discrição e encaminhado para as áreas de Recursos Humanos, social ou de saúde. De acordo com a mestre em psicologia e especialista em dependência química Dra. Dorit Verea, após uma entrevista sigilosa, o dependente poderá ou não concordar com o tratamento e a prevenção oferecida pela organização. "O dependente químico é livre para não aceitar tratamento, a menos que sua profissão coloque em risco a vida de outras pessoas, como no caso de motoristas ou pilotos, por exemplo. A empresa, por sua vez, também é livre para impor seus limites", explica a psicóloga. Em entrevista concedida ao RH.com.br, Verea fala sobre os principais sinais que se manifestam num profissional que enfrenta problema de dependência química e quais os benefícios que as corporações têm ao investir em ações preventivas. Confira a entrevista e boa leitura!
RH.com.br - O número de profissionais com algum tipo de dependência é significativo?
Dorit Verea - Infelizmente, sim. Existem em torno de 10 a 15% de funcionários com problemas de dependência química como, por exemplo, álcool e outras drogas, sem contabilizar outras como compulsões como jogo patológico, comprador compulsivo, dependência de sexo, Internet, academia e outros. Para se ter uma idéia, cerca de 71% dos usuários de drogas estão empregados. Recentes estudos concluíram que 80% dos usuários de cocaína e 70% dos americanos viciados em algum tipo de droga possuem empregos fixos. No Brasil, tais índices não se diferenciam muito dos americanos.
RH - Qual o tipo de dependência é mais comum entre os profissionais brasileiros?
Dorit Verea - O álcool é apontado como o vício mais comum entre os trabalhadores. É bom lembrar que a dependência é democrática e não seleciona sexo, raça, idade ou perfil predeterminado. Ela pode atingir qualquer pessoa.
RH - Como a empresa pode identificar, no dia-a-dia, que um colaborador tem algum tipo de dependência?
Dorit Verea - A dificuldade em manter um desempenho satisfatório no trabalho tem aspectos comuns a qualquer outro transtorno mental, por isto é importante, além de identificar indícios, manter sempre o diálogo aberto com o colaborador. Em geral, surgem alguns comportamentos entre os dependentes como, por exemplo, faltas recorrentes principalmente nas segundas-feiras, diminuição de dedicação ao trabalho e dificuldade de concentração durante o desempenho das funções. A pessoa dependente começa a contrair dívidas, apresentar sintomas de doenças e até mesmo, em alguns casos, chega a internações. É bom ressaltar que as funções que exigem atenção e concentração também são gravemente afetadas e, em muitos casos, o risco de acidentes graves pode surgir. É o caso de operadores de máquinas perigosas, de trabalhadores da construção civil, motoristas de ônibus, operadores de trens e metrôs, entre outros.
RH - De que forma a empresa pode chegar ao profissional dependente de forma ética e eficiente?
Dorit Verea - Chegar até um dependente gera um momento delicado tanto para quem vai abordar o problema quanto para o profissional dependente. Por isso, para tratar esta questão de forma ética é necessário ter desenvolvido na empresa um programa de política de ação para o uso indevido de drogas. A abordagem deve, por exemplo, evitar o uso de uma linguagem repressora, assim como ações estigmatizantes ou discriminatórias sobre o uso de drogas. É fundamental também se documentar sobre o comportamento do profissional dentro da empresa e evitar os "achismos".
RH - Quais as implicações legais que um funcionário-dependente pode sofrer?
Dorit Verea - As implicações, que incluem desde uma simples advertência à demissão, vão além da dependência em si, mas sim do comportamento e das atitudes do dependente na empresa. Não podemos generalizar, pois cada caso é um caso.
RH - Que ações uma empresa pode adotar para conscientizar os colaboradores sobre as conseqüências da dependência química?
Dorit Verea - Existem várias alternativas que podem ser aplicadas no dia-a-dia organizacional. Dentre essas, podemos citar: convidar profissionais especializados para dar palestras sobre o tema; estimular a criação e a manutenção de uma equipe, formada por líderes naturais, que funcionem como referência para os programas desenvolvidos; promover atividades que ofereçam informações e desenvolvam a percepção de risco de uso de drogas, baseadas no conhecimento científico; desenvolver projetos específicos e possibilitar treinamento e capacitação para os setores de Recursos Humanos, saúde, serviço social e CIPAS. Outra alternativa é a confecção de material educativo especializado como, por exemplo, produção de impressos e áudios-visuais que devem ser apresentados aos funcionários.
RH - Esse tipo de trabalho precisa ser contínuo?
Dorit Verea - Claro que precisa e deve, pois somente um processo contínuo pode mudar a cultura da empresa e dos colaboradores em relação ao uso indevido de drogas. Ao adquirir maior consciência sobre as implicações do uso e do abuso de álcool e de outras drogas, bem como um maior nível de desenvolvimento pessoal, os funcionários tornam-se aptos a promoverem os valores éticos da empresa. Mais do que isso, os funcionários são motivados a investir no seu próprio crescimento pessoal e profissional, redundando em níveis mais elevados de produtividade e responsabilidade. O papel da empresa é fundamental em relação à prevenção e ao subsidiário no que se refere à terapia do usuário de drogas.
RH - Que conseqüências funcionários dependentes geram à empresa?
Dorit Verea - Gera conseqüências nada agradáveis. Quando a empresa contrata ou mantém um colaborador dependente em seu quadro isso pode significar:
* três vezes mais licenças médicas daquelas ocasionadas por outras doenças;
* aumento de cinco vezes nos riscos de acidentes de trabalho;
* cerca de 15% a 30% de todos os acidentes de trabalho podem ser gerados por profissionais dependentes;
* hoje, por exemplo, considera-se que 50% do absenteísmo e das licenças médicas são decorrentes de pessoas que apresentam algum tipo de dependência;
* utilização de oito vezes mais diárias hospitalares;
* três vezes mais gastos com assistência médica e social às famílias dos dependentes;
* custo anual em perdas patrimoniais, furtos, acidentes e despesas médicas. No Brasil, as cifras chegam a 19 bilhões de dólares com pessoas que apresentam algum tipo de dependência.
RH - E as empresas que investem em ações preventivas ou de tratamento para dependentes, obtêm bons resultados?
Dorit Verea - Para se ter uma idéia de como é importante as organizações ficarem atentas para essa questão, os resultados da prevenção e tratamento indicam:
* redução de 91% de faltas;
* diminuição de 88% dos problemas disciplinares:
* queda de 93% de erros nas atividades do trabalho;
* redução em até 97% dos acidentes de trabalho.
RH - Em relação ao clima interno, o funcionário-dependente traz obrigatoriamente algum comprometimento à equipe?
Dorit Verea - Como já mencionei no início da entrevista, a produtividade e a qualidade do trabalho do dependente químico freqüentemente ficam prejudicadas. Portanto, alguém da equipe deverá trabalhar a mais para suprir a demanda e isto compromete não só o trabalho em si, mas também a qualidade das relações da equipe e o ambiente corporativo.
RH - Como a área de RH deve se comportar diante da dependência de funcionários?
Dorit Verea - É fundamental que a empresa tenha um programa de atenção ao uso indevido de drogas na empresa. Neste programa deverá constar a visão, a missão, as regras, a política de ação, as atividades, as responsabilidades e tudo o que for relevante quanto à questão das drogas. Um grupo gestor poderá ser responsável pelo programa que determinará o papel das áreas de Recursos Humanos e do serviço social, levando em consideração a cultura da empresa. Uma vez implantado o programa, deve-se sensibilizar os funcionários e desenvolver condições para que possam receber ajuda ou falar sobre o uso de drogas, garantindo o sigilo. Outra ação importante é encaminhar para locais especializados os empregados que necessitam de tratamento e não tentar ser o "salvador da pátria".

Nenhum comentário: